quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Júlio Cerqueira César:19 anos e R$2,8 bilhões depois, a qualidade das águas do Tietê está pior


foto de 1996 lançamento do projeto. Google

BLOG O MURAL:

por Conceição Lemes


Os deputados estaduais João Paulo Rillo, Simão Pedro Chiovetti e Carlos Alberto Grana (PT) protocolaram representação no Ministério do Estado de São Paulo (MP-SP) para que apure indícios de crimes ambientais cometidos por agentes e órgãos públicos pelo lançamento diário de esgotos sem tratamento, ou seja in natura, no rio Tietê e córregos afluentes.


A representação tem por base duas reportagens:


R$ 3 bi depois, por que o Tietê continua tão sujo?, publicada em 27 de junho pelo O Estado de S. Paulo.


Saneamento básico: Esgoto do Palácio dos Bandeirantes é jogado em córrego, publicada pelo Viomundo em 13 de setembro de 2010.


Durante dois dias, participamos de um teste. Despejou-se corante (vendido em bisnagas em lojas de material de construção) na caixa doméstica de esgoto (fica na calçada, bem próxima à porta do imóvel, cada um tem a sua) ou no vaso sanitário de residências em quatro regiões da capital paulista, com algum córrego próximo. Todas possuem esgoto e pagam pelo serviço à Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). Tomou-se o cuidado de confirmar previamente essas informações.


Objetivo do teste, feito em quatro regiões da capital paulista: verificar se a tintura expelida em meio à descarga doméstica chegaria a pontos de lançamento (canos) em córrego na vizinhança. Fotografamos antes e depois. Nas quatro regiões pesquisadas pelo Viomundo, o corante chegou ao córrego próximo alguns minutos depois.


“Isso demonstra que o esgoto das quatro áreas é coletado mas não tratado. Se fosse tratado, o corante não iria parar no córrego”, alertou em setembro de 2010 o engenheiro Júlio Cerqueira César Neto, que durante 30 anos foi professor de Hidráulica e Saneamento da Escola Politécnica/USP. “O que o Viomundo comprovou acontece na cidade inteira de São Paulo. Na Região Metropolitana, a Sabesp lança in natura, em córregos e rios, a maior parte do esgoto produzido pelas casas que têm esgoto.”


“A Sabesp é a grande poluidora dos rios e córregos e não a população”, denunciou então o professor Júlio. “Depois, zelosa, ‘vende’ nos comerciais que está preocupada com saúde, bem-estar, qualidade de vida e meio ambiente. Piada total.”


“A Sabesp vende uma imagem de eficiência ambiental que não condiz com a realidade, é um desserviço”, acrescentou Ricardo Moretti, professor de Planejamento Urbano da Universidade Federal do ABC. “Só mesmo alguém anestesiado pelos meios de comunicação pode acreditar nessa propaganda enganosa.”


“BRUTAL A DESINFORMAÇÃO DA SOCIEDADE SOBRE A FALTA DE TRATAMENTO DO ESGOTO EM SP”


“A situação permanece praticamente inalterada. Na Região Metropolitana, a Sabesp continua a lançar in natura, em córregos e rios, a maior parte do esgoto produzido pelas casas que têm esgoto”, afirma o professor Júlio Cerqueira César. “Depois de 19 anos de Projeto Tietê e R$ 2, 8 bilhões de gastos em obras para sua despoluição, a qualidade das águas do rio está pior do que, em 1992, quando a primeira fase do projeto começou.”


“Toda tentativa de colocar em debate a falta de tratamento de esgoto em São Paulo – e representação ao MP tem esse papel – é importante”, prossegue o professor. “A sociedade precisa acordar para a poluição ambiental e os riscos à saúde pública do lançamento do esgoto in natura no Tietê, Tamanduateí, Pinheiros e seus afluentes pela Sabesp. É brutal a desinformação da sociedade.”


“Aprofundar o debate com a sociedade é um dos nossos objetivos, e o MP, o caminho possível”, justifica o deputado estadual João Paulo Rillo, líder da oposição e um dos autores da representação à Promotoria do Meio Ambiente do MP. “O despejo de esgoto nos córregos é crime ambiental, a Sabesp, negligente com o saneamento básico e não prosperam na Assembleia Legislativa de São Paulo [Alesp] CPIs contra os governos tucanos.”


“A lógica da Sabesp é a de uma empresa privada e não pública, seu negócio é economizar em recursos humanos, material, obras, para gerar lucros e distribuir aos acionistas em vez de reaplicá-los na melhoria da qualidade dos serviços”, acresce o deputado Simão Pedro. “A Sabesp é monopolista na maior parte do estado e o consumidor, refém do seu péssimo serviço e das suas tarifas.”


“Quando se discute o lançamento do esgoto sem tratamento nos córregos, a estratégia da Sabesp é desviar o foco, culpando outros municípios, como Guarulhos, pela poluição”, observa Simão Pedro. “Queremos que o MP investigue como foram ‘queimados’ os quase R$ 3 bilhões, já que não tivemos resultados positivos na despoluição do Tietê. Quer absurdo maior que o esgoto do Palácio dos Bandeirantes ser jogado num córrego próximo, que deságua no rio Pinheiros, afluente do Tietê?”


Imagino que muitos leitores estejam questionando: Para que a representação ao MP paulista se frequentemente as suas investigações não avançam quando o alvo são pessoas ou órgãos do governo do PSDB/DEM?


Fiz a mesma pergunta aos deputados que assinaram esta representação, já que a seletividade do MP-SP é flagrante.


“Não temos outro caminho”, diz Rillo. “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura.”


“Diferentemente do que fizemos até agora, nós vamos acompanhar mês a mês o andamento da representação no MP”, promete Simão Pedro. “Se houver negligência, denunciaremos ao Conselho Nacional da Magistratura, à Corregedoria. Os indícios de crimes ambientais em relação ao Tietê têm de ser investigados seriamente. Não dá mais para empurrar com a barriga.”


PS 1 do Viomundo: No último mês, eu, Conceição Lemes, voltei aos pontos visitados em 2010, inclusive ao córrego Coimbra, que recebia esgoto do Palácio dos Bandeirantes. Desde o final de dezembro, a Sabesp não lança mais lá o esgoto da sede do governo. Mas o córrego, em pleno coração do Morumbi, continua a receber esgoto, embora o Coimbra conste como despoluído no site da Sabesp. Leia os detalhes aqui.


PS 2 do Viomundo: O projeto de despoluição do Tietê prevê três etapas. A primeira, realizada entre 1992 e 1998, envolveu investimentos de US$ 1,1 bilhão. Na segunda, de 2000 a 2008, investiram-se US$ 500 milhões. A terceira, iniciada em 2009, irá até 2015 e prevê US$ 1,05 bilhão em toda a Grande São Paulo. Segundo a Sabesp, até o momento foram investidos US$ 136 milhões em obras da terceira etapa. Portanto, já foram gastos no Projeto Tietê US$1,736 bilhão. Ou, R$ 2,794 bilhões, considerando o valor do dólar comercial da sexta-feira, 12 de agosto.


Córrego perto do Palácio dos Bandeirantes continua a receber esgoto; em Itaquera, é a própria Sabesp que joga


Saneamento básico: Esgoto do Palácio dos Bandeirantes é jogado em córrego


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