BLOG O MURAL:
A análise dos 10 anos de governo do PT por Mino Carta em editorial da revista Carta Capital.
Partido e governo
A ideia do PT já se fixava na cabeça de Lula quando
o entrevistei pela primeira vez no começo de 1978. Presidente do Sindicato dos
Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, representava a vanguarda de um
movimento operário em plena mudança. A reforma partidária engendrada pelo
Merlin do Planalto, Golbery do Couto e Silva, na segunda metade de 1979,
facilitou-lhe a tarefa.
Discrepância. Os governantes foram
fiéis aos planos iniciais. O partido nem tanto. Foto: B. Salgado/ Estadão
Conteúdo
Singular personagem, Golbery. Única, a seu modo.
Fiel do maniqueísmo da Guerra Fria, inventou a ideologia destinada a sustentar
o golpe de 1964, estranhamente impregnada por um pretenso, e de fato
impossível, propósito democrático. Foi retirado da cena com o fim do curto
mandato bienal de Castelo Branco, e só voltou ao governo no período de Ernesto
Geisel. Partiu para a demolição do regime que contribuíra a criar, “lenta,
gradual, porém segura”, sem que o próprio Geisel tivesse clara noção a
respeito.
Enredo singular como a personagem. Mantido na
chefia da Casa Civil por Figueiredo, Golbery deu prosseguimento ao seu plano,
primeiro com uma anistia ardilosa que não foi “ampla, geral e irrestrita”,
depois com a reforma partidária, cujo objetivo era estilhaçar a oposição
reunida no MDB do doutor Ulysses, subitamente capacitado a se aproveitar
daquelas pretensões democráticas e, a despeito de pressões, ameaças e riscos, a
desempenhar um digno e importante papel.
De todo modo, a entrevista de
Lula publicada na edição da primeira semana de fevereiro de 1978, deixou
Golbery impressionado e muito interessado nos movimentos do astro nascente.
Quando Lula ficou preso durante a greve do ABC de 1980, nas dependências do
Dops, o mago planaltino enviou a São Paulo dois cavalheiros engravatados com a
incumbência de entrevistar o preso no tom de uma conversa de amigos,
peripatética, mas sutilmente inquisitiva. Apresentavam-se como subordinados do
“cacique”, não melhor especificado, e queriam saber das ideias e tendências políticas
do líder metalúrgico.
Golbery sairia do governo em agosto de 1981, em
consequência das bombas do Riocentro e da tentativa de Figueiredo e de Octavio
Medeiros de emperrar, se possível de vez, o processo de abertura. Da reforma
eleitoral resultaram o PMDB de Ulysses, o PP de Tancredo Neves, o PDT de
Brizola, a quem a legenda tradicional, PTB, fora sumariamente furtada para ser
entregue a Ivete Vargas. E o PT de Lula, que dia 20 deste fevereiro celebrou
dez anos de governo.
Longa caminhada, de êxito total. A busca do poder é
o alvo de qualquer partido e se eleições fossem convocadas hoje, é mais do que
certo que o PT continuaria folgadamente onde se encontra. Como dizia Raymundo
Faoro, “eles querem um país de 20 milhões de habitantes e uma democracia sem povo”.
Referia-se aos senhores da casa-grande. O governo Lula e agora o de Dilma
Rousseff empenharam-se e se empenham para que os milhões se multipliquem às
dezenas. E, quanto ao eleitorado, colhem os frutos de sua ação.
É do conhecimento até do mundo mineral que o Brasil
progrediu nos últimos dez anos como jamais se dera na sua história, e fique
claro que na sua desfaçatez, na sua parvoíce, na sua hipocrisia, a mídia nativa
situa-se, queira ou não, em estágio anterior ao mundo mineral. Quem sabe, o
magma primevo.
Não evito a seguinte consideração.
Uma peculiar discrepância instala-se, na minha visão, entre partido e governo.
O PT nasceu à sombra de um ideário político de franco esquerdismo, afinado com
os tempos, no Brasil e no mundo. Sobretudo no Brasil, entregue à ditadura. Ao
amadurecer, o partido soube adaptar-se às mudanças globais. Hoje pergunto aos
meus meditativos botões se os avanços dos últimos dez anos se devem ao PT ou
aos governos Lula e Dilma.
Governos do PT? Meus botões não são de cautelas,
afirmam: mérito dos governantes, além do mais forçados a alianças nem sempre
aprazíveis, a bem da governabilidade. Lula, divisor de águas. Dilma, firme
continuadora. À época do surgimento do PT, imaginei um grande, versátil,
inteligente partido de esquerda, capaz de produzir mudanças profundas sem
maiores conflitos, como se deu em outros cantos do mundo, onde anéis saem dos
dedos graúdos somente sob pressão.
O PT não foi essa agremiação ideal, e muitas vezes
portou-se como as demais. E muitas vezes ofereceu munição de graça à feroz
obsessão da casa-grande. E muitas vezes exibiu inúteis divergências intestinas,
a lhe exibirem a fragilidade, quando não a má-fé. E muitas vezes levou a cargos
de governos quem não merecia. É a voz dos meus botões.
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