segunda-feira, 20 de julho de 2009

O labirinto da internet e o fim do monopolio da informação


BLOG DO U: A Internet tira o sono dos políticos conservadores e que acham que dominam os chamados currais eleitorais, mas a farra acabou os blogs e os microblogs estão tirando o sono deles.


TENDÊNCIAS/DEBATES - FOLHA SP
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JOÃO SANTANA


Os deputados erraram onde não poderiam. Mas era um erro previsível. A Internet é o meio mais perturbador que já surgiu na comunicação


UM PARADOXO da cultura contemporânea é a incapacidade da maioria dos políticos de entender a comunicação política. Essa disfunção provoca, muitas vezes, resultados trágicos.É o caso da lei votada pela Câmara dos Deputados para regular o uso da internet nas eleições.


Se aprovada sem mudanças pelo Senado, vai provocar um forte retrocesso numa área em que o Brasil, quase milagrosamente, se destaca no mundo -sua legislação de comunicação eleitoral. Sim, a despeito da má vontade de alguns e, a partir daí, de certos equívocos interpretativos, o Brasil tem uma das mais modernas legislações de comunicação eleitoral do mundo.


O nosso modelo de propaganda gratuita, via renúncia fiscal, é tão conceitualmente poderoso que se sobressai a alguns anacronismos da lei, como o excesso de propaganda partidária em anos não eleitorais ou a ridícula proibição de imagens externas em comerciais de TV.


Os deputados decidiram errar onde não poderiam. Mas era um erro previsível. A internet é o meio mais perturbador que já surgiu na comunicação.Para nós da área, ela abre fronteiras tão imprevisíveis e desconcertantes como foram a Teoria da Relatividade para a física, a descoberta do código genético para a biologia, o inconsciente para a psicologia ou a atonalidade para a música.Na comunicação política, a internet é rota ainda difícil de navegar.


Somos neogrumetes de Sagres em mares bravios. Não por acaso, o mundo está infestado de curandeiros internáuticos a apregoar milagres. E a mídia potencializa resultados reais ou imaginários (”Ah, a campanha do Obama!”, “Ah, as eleições no Irã”, “Ah, o twitter do Serra”, “Ah, vem aí o blog do Lula”) sem que se consiga aferir a real dimensão do fenômeno.


Se é perturbadora para nós do meio, por que não o seria para legisladores e juízes? Principalmente para os políticos, que, como se sabe, sofrem desconforto com a comunicação política desde o surgimento dos meios modernos.Desde sua origem nas cavernas, o modo de expressão política tem dado pulos evolutivos sempre que surge um novo meio.


De Aristóteles, patrono dos marqueteiros, passando pelos áureos tempos da santa madre igreja, que já deteve a mais poderosa máquina de propaganda política -é a criadora do termo com sua “Congregatio de Propaganda Fide”-, até os dias de hoje, a comunicação politica é feita por meio de uma simbiose entre o que se diz -o conteúdo retórico-persuasivo- e seu suporte de expressão, as ferramentas comunicacionais.


Um influenciando o outro e os dois influenciando, sem parar, as sociedades e instituições.Foram enormes os pulos causados pela imprensa, pelo rádio, pelo cinema e pela TV na forma e no modo de fazer política. Mas nada perto dos efeitos que trará a internet.Não só por ser uma multimídia de altíssima concentração, mas também porque sua capilaridade e interatividade planetária farão dela não apenas uma transformadora das técnicas de indução do voto mas o primeiro meio na história a mudar a maneira de votar.


Ou seja, vai transformar o formato e a cara da democracia.No futuro, o eleitor não vai ser apenas persuadido, por meio da internet, a votar naquele ou naquela candidata.Ele simplesmente vai votar pela internet de forma contínua e constante.Com as vantagens e desvantagens que isso pode trazer.As cibervias não estão criando só “novas ágoras”.


Criam também novas urnas. Do tamanho do mundo. Vão ajudar a produzir uma nova democracia tão radicalmente diferente que não poderá ser adjetivada ou definida com termos do nosso presente-passado, tipo “representativa” ou “direta”.Sendo assim, creio que nossos legisladores não vão querer passar para a história como os que imprimiram um sinete medieval em ondas cibernéticas. Não é só o erro, como já se disse, de encarar um meio novo com modelos de regulação tradicional. É porque a internet, no caso da comunicação política, nasceu indomável.


E sua força libertadora tem de ser estimulada, e não equivocadamente reprimida.Já há um consenso do que deve ser modificado na proposta da Câmara. O Senado, que vive profunda crise de imagem, tem um bom tema de agenda positiva. Mas não é por oportunismo que urge corrigir os equívocos da Câmara. É simplesmente pelo prazer de estar conectado com o futuro.




JOÃO SANTANA, 56, é jornalista, publicitário e consultor político. Já coordenou o marketing de dezenas de campanhas estaduais e municipais (como a de Marta Suplicy em 2008), além de três campanhas presidenciais, no Brasil (Lula em 2006), na Argentina e em El Salvador

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