segunda-feira, 30 de abril de 2012

OIT diz que a crise eleva o risco de perturbação social em 57 países e enaltece modelo do Brasil

BL Às vésperas do dia do Trabalho, a Organização Internacional do Trabalho divulgou seu relatório anual sobre a situação do emprego no mundo. O documento traz uma aferição do risco de perturbação social em 106 países. Compara a conjuntura de 2010 com a de 2011. E conclui que a falta de emprego, potencializada pelo que chama de “armadilha da austeridade”, elevou os riscos em 57 nações.
De acordo com o relatório da OIT (disponível aqui, está em inglês e ocupa 108 folhas), a inquietação social é mais alta na África subsaariana, no Oriente Médio e no norte da África. Mas elevaram-se os riscos de turbulência também na Europa. Registrou-se movimento inverso em países da Ásia e da América Latina. Em nações como o Brasil, onde há recuperação do emprego, o nível de desassossego diminuiu.
O documento anota que os efeitos da crise sobre o mercado de trabalho no ano passado proruziram um cenário “especialmente problemático”. Especialmente quando se leva em conta que o estrago de 2008 ainda não foi totalmente sanado. “Existe um déficit de aproximadamente 50 milhões de empregos em comparação com a situação anterior” à crise financeira global de 2008, anota o texto da OIT.
O ruim tende a tornar-se ainda pior: “É pouco provável que durante os próximos dois anos a economia mundial cresça em ritmo suficiente para reduzir o atual déficit de emprego e oferecer trabalho a mais de 80 milhões de pessoas que se calcula que entrarão no mercado nesse período.”
Do pior, pode-se evoluir para o muito pior: segundo a OIT, o desemprego vive nova fase. “Depois de quatro anos de crise mundial, os desequilíbrios no mercado de trabalho são mais estruturais e, portanto, mais difíceis de resolver.” O relatório sustenta que “certos grupos de pessoas, como os desempregados por muito tempo, correm o risco de ficar excluídos do mercado de trabalho.”
De resto, mesmo entre os empregados, quantidades cada vez maiores de pessoas têm de se contentar com empregos “mais instáveis e precários”. As vagas de tempo parcial e temporárias cresceram em dois terços de mais da metade das economias desenvolvidas. A proporção de emprego informal situa-se acima dos 40% em dois terços dos países emergentes –no Brasil, a taxa é de 45%.
O relatório acomoda a Europa contra um pano de fundo funesto: o desemprego subiu em dois terços dos países europeus. Ao noticiar o documento, na noite passada, o diário britânico ‘The Guardian’ misturou os dados da OIT com o que se passa ao redor: greve na Alemanha, protestos de trabalhadores em 50 cidades da Espanha. E “a OIT informou que a situação em 27 países europeus está ficando mais instável”, escreveu o repórter Phillip Inman.
O relatório informa também que a recuperação do emprego em economias avançadas do planeta como Japão e EUA. Na China, a despeito das altas taxas de crescimento, “os progressos em matéria de emprego foram débeis” se comparados “às necessidades de uma população em idade de trabalhar cada vez mais numerosa e mais bem educada.”
Na opinião da OIT, a deterioração do emprego é um reflexo da “armadilha da austeridade” que aprisiona países desenvolvidos, sobretudo na Europa. Diz o relatório: “A despeito das declarações a favor do emprego nas sucessivas reuniões do G20 e em outros foros globais, a estratégia política mudou suas prioridades, distanciando-se da criação e melhoria dos postos de trabalho.”
Agora, escreve a OIT, a prioridade é “a redução dos déficits fiscais a qualquer custo.” Na Europa, alega-se que o rigor fiscal é “essencial para acalmar os mercados financeiros. Mas mesmo em países que não sofreram os efeitos da crise, essa estratégia está sendo aplicada por razões preventivas.” Algo que, para a OIT, tem levado ao oposto do pretendido.
Entrou-se num círculo vicioso: “a austeridade produziu crescimento econômico mais débil, elevando a volatilidade e piorando o balanço dos bancos”. O que ocasionou “maior contração do crédito, menos investimentos e, em consequência, maiores perdas de empregos.” Mais: com a economia contraída, os governos recolhem menos tributos. E as exigências de austeridade aumentam.
Tudo isso associado a mudanças que flexibilizam as relações trabalhistas, tornando ainda mais precário o emprego e mais baixos os salários. A certa altura, o documento realça que as relações trabalhistas devem ser combinadas com “medidas de proteção social”. Anota que “essa política foi aplicada com êxito [...] em países como Áustria e Brasil.”
O modelo, diz a OIT, vem se espraiando por “muitos países emergentes e em desenvolvimento.” Nações que “adotaram a estratégia de estimular a demanda interna com o objetivo de compensar as fracas perspectivas de exportação para as economias avançadas.” Além da América Latina, o documento cita como adeptos dessa filosofia a Índia, a China e a África do Sul –países que, a exemplo do Brasil, integram o Brics.
O texto da OIT esgrime um discurso parecido com o que Dilma Rousseff tem repisado nos foros internacionais. Mesmo os países que respondem à crise reforçando o seu mercado interno, afirma o relatório, não estão livres dos “fluxos voláteis de capital” –Dilma diria “tsunami monetário”—, que tornam a economia real instável e dificultam a criação de novos empregos.
Para fugir da “armadilha da austeridade”, a OIT sugere a adoção de política assentada em três pilares. Num, crescimento dos salários no mesmo ritmo da produtividade, com reajustes coordenados do salário mínimo. Noutro, abertura de crédito e criação de “um ambiente empresarial mais favorável para as pequenas empresas.”
No terceiro pilar, a promoção do emprego simultaneamente ao cumprimento das metas fiscais. Para os emergentes, diz o texto, “os esforços deveriam concentrar-se no investimento público e na redução da pobreza e das desigualdades de renda, estimulando a demanda agregada.”
Nas economias avançadas, “a prioridade deveria ser os desempregados, especialmente os jovens, a fim de garantir que recebam o apoio adequado para encontrar novos empregos.” Para que isso ocorra, afirma o documento, “é preciso aceitar a ideia de que as políticas que favorecem o emprego têm efeito positivo sobre a economia e que a voz das finanças não deveria guiar as decisões.”

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