BL Às vésperas do dia do Trabalho, a Organização Internacional do
Trabalho divulgou seu relatório anual sobre a situação do emprego no
mundo. O documento traz uma aferição do risco de perturbação social em
106 países. Compara a conjuntura de 2010 com a de 2011. E conclui que a
falta de emprego, potencializada pelo que chama de “armadilha da
austeridade”, elevou os riscos em 57 nações.
De acordo com o relatório da OIT (disponível aqui,
está em inglês e ocupa 108 folhas), a inquietação social é mais alta na
África subsaariana, no Oriente Médio e no norte da África. Mas
elevaram-se os riscos de turbulência também na Europa. Registrou-se
movimento inverso em países da Ásia e da América Latina. Em nações como o
Brasil, onde há recuperação do emprego, o nível de desassossego
diminuiu.
O documento anota que os efeitos da crise sobre o mercado de trabalho
no ano passado proruziram um cenário “especialmente problemático”.
Especialmente quando se leva em conta que o estrago de 2008 ainda não
foi totalmente sanado. “Existe um déficit de aproximadamente 50 milhões
de empregos em comparação com a situação anterior” à crise financeira
global de 2008, anota o texto da OIT.
O ruim tende a tornar-se ainda pior: “É pouco provável que durante os
próximos dois anos a economia mundial cresça em ritmo suficiente para
reduzir o atual déficit de emprego e oferecer trabalho a mais de 80
milhões de pessoas que se calcula que entrarão no mercado nesse
período.”
Do pior, pode-se evoluir para o muito pior: segundo a OIT, o
desemprego vive nova fase. “Depois de quatro anos de crise mundial, os
desequilíbrios no mercado de trabalho são mais estruturais e, portanto,
mais difíceis de resolver.” O relatório sustenta que “certos grupos de
pessoas, como os desempregados por muito tempo, correm o risco de ficar
excluídos do mercado de trabalho.”
De resto, mesmo entre os empregados, quantidades cada vez maiores de
pessoas têm de se contentar com empregos “mais instáveis e precários”.
As vagas de tempo parcial e temporárias cresceram em dois terços de mais
da metade das economias desenvolvidas. A proporção de emprego informal
situa-se acima dos 40% em dois terços dos países emergentes –no Brasil, a
taxa é de 45%.
O relatório acomoda a Europa contra um pano de fundo funesto: o
desemprego subiu em dois terços dos países europeus. Ao noticiar o
documento, na noite passada, o diário britânico ‘The Guardian’
misturou os dados da OIT com o que se passa ao redor: greve na
Alemanha, protestos de trabalhadores em 50 cidades da Espanha. E “a OIT
informou que a situação em 27 países europeus está ficando mais
instável”, escreveu o repórter Phillip Inman.
O relatório informa também que a recuperação do emprego em economias
avançadas do planeta como Japão e EUA. Na China, a despeito das altas
taxas de crescimento, “os progressos em matéria de emprego foram débeis”
se comparados “às necessidades de uma população em idade de trabalhar
cada vez mais numerosa e mais bem educada.”
Na opinião da OIT, a deterioração do emprego é um reflexo da
“armadilha da austeridade” que aprisiona países desenvolvidos, sobretudo
na Europa. Diz o relatório: “A despeito das declarações a favor do
emprego nas sucessivas reuniões do G20 e em outros foros globais, a
estratégia política mudou suas prioridades, distanciando-se da criação e
melhoria dos postos de trabalho.”
Agora, escreve a OIT, a prioridade é “a redução dos déficits fiscais a
qualquer custo.” Na Europa, alega-se que o rigor fiscal é “essencial
para acalmar os mercados financeiros. Mas mesmo em países que não
sofreram os efeitos da crise, essa estratégia está sendo aplicada por
razões preventivas.” Algo que, para a OIT, tem levado ao oposto do
pretendido.
Entrou-se num círculo vicioso: “a austeridade produziu crescimento
econômico mais débil, elevando a volatilidade e piorando o balanço dos
bancos”. O que ocasionou “maior contração do crédito, menos
investimentos e, em consequência, maiores perdas de empregos.” Mais: com
a economia contraída, os governos recolhem menos tributos. E as
exigências de austeridade aumentam.
Tudo isso associado a mudanças que flexibilizam as relações
trabalhistas, tornando ainda mais precário o emprego e mais baixos os
salários. A certa altura, o documento realça que as relações
trabalhistas devem ser combinadas com “medidas de proteção social”.
Anota que “essa política foi aplicada com êxito [...] em países como
Áustria e Brasil.”
O modelo, diz a OIT, vem se espraiando por “muitos países emergentes e
em desenvolvimento.” Nações que “adotaram a estratégia de estimular a
demanda interna com o objetivo de compensar as fracas perspectivas de
exportação para as economias avançadas.” Além da América Latina, o
documento cita como adeptos dessa filosofia a Índia, a China e a África
do Sul –países que, a exemplo do Brasil, integram o Brics.
O texto da OIT esgrime um discurso parecido com o que Dilma Rousseff
tem repisado nos foros internacionais. Mesmo os países que respondem à
crise reforçando o seu mercado interno, afirma o relatório, não estão
livres dos “fluxos voláteis de capital” –Dilma diria “tsunami
monetário”—, que tornam a economia real instável e dificultam a criação
de novos empregos.
Para fugir da “armadilha da austeridade”, a OIT sugere a adoção de
política assentada em três pilares. Num, crescimento dos salários no
mesmo ritmo da produtividade, com reajustes coordenados do salário
mínimo. Noutro, abertura de crédito e criação de “um ambiente
empresarial mais favorável para as pequenas empresas.”
No terceiro pilar, a promoção do emprego simultaneamente ao
cumprimento das metas fiscais. Para os emergentes, diz o texto, “os
esforços deveriam concentrar-se no investimento público e na redução da
pobreza e das desigualdades de renda, estimulando a demanda agregada.”
Nas economias avançadas, “a prioridade deveria ser os desempregados,
especialmente os jovens, a fim de garantir que recebam o apoio adequado
para encontrar novos empregos.” Para que isso ocorra, afirma o
documento, “é preciso aceitar a ideia de que as políticas que favorecem o
emprego têm efeito positivo sobre a economia e que a voz das finanças
não deveria guiar as decisões.”