A multinacional francesa encheu de propinas lideranças do PSDB que poderiam ajudá-la a ganhar contratos do metrô, isso com consentimento dos graúdos do partido.
A Siemens é apenas um dos problemas que assombram o PSDB de São Paulo no capítulo das propinas pagas por empresas estrangeiras para assegurar a conquista de contratos na construção e expansão do metrô paulista.
Tão dramático quanto o caso Siemens, e tão destruidor em termos de reputações tucanas, é o capítulo da multinacional francesa Alstom, outro colosso da engenharia mundial.
A Alstom fez tudo que a Siemens fez no capítulo das propinas. Na França da Alstom, como na Alemanha da Siemens, era permitido até algum tempo atrás que as empresas pagassem propinas em concorrências no exterior.
A Alstom é parte notável do cartel reconhecido agora pela Siemens para ganhar obras do metrô paulista. (A confissão da Siemens tem objetivos jurídicos: ela é parte de um acordo para evitar problemas maiores para a empresa e seus executivos.)
A Alstom firmou 237 contratos com o governo paulista de 1989 a 2009, no valor total de R$ 10,6 bilhões.
O Ministério Público da Suíça foi quem descobriu o pagamento de propinas da Alstom para funcionários públicos do governo paulista.
O percentual médio da propina, segundo os suíços, era de 8% sobre o valor dos contratos. Tudo somado, chega-se a cerca de 848 milhões de reais em subornos franceses.
Os pagamentos foram realizados para ganhar licitações e prolongar contratos irregularmente, alguns por mais de 20 anos.
Denúncias sobre as propinas da Alstom, como no caso da Siemens, apareceram nos últimos anos, aqui e ali. Mas em geral partiram de fora, e no Brasil foram recebidas com apatia pela imprensa, com inação pela justiça e com desprezo por lideranças do PSDB.
Considere a reação do então governador de São Paulo, José Serra, em maio de 2008, quando o Estadão publicou uma reportagem sobre as propinas da Alston.
“Não há o que investigar. O Ministério Público Estadual e o Ministério Público Federal já investigam o caso. Já há também uma apuração própria do Metrô”, afirmou ele.
Observemos o metrô, na gestão Serra, para avaliar sua capacidade de investigar as denúncias de corrupção. O presidente do metrô era, então, José Fagali.
O irmão de Fagali, Jorge Fagali Neto, foi acusado pela justiça suíça de ser o titular de uma conta que chegou a ter 10 milhões de dólares. A justiça suíça quebrou o sigilo da conta por haver chegado à conclusão de que o dinheiro era fruto de propinas.
Não foi a única conta aberta pelos suíços no capítulo da Alston. Também foi tornada pública uma de Robson Marinho, um dos fundadores do PSDB, em 1988.
Marinho se tornou um capítulo particularmente duro para o PSDB: ele foi chefe da Casa Civil do governador Mário Covas, um dos líderes mais cultuados na tribo tucana pela reputação de integridade a toda prova.
O governador Alckmin queixou-se, nestes dias, do “enxovalhamento” da imagem de Covas.
No passado, quando surgiram as primeiras denúncias relativas às propinas da Alstom, Alckmin afirmou à Folha: “Toda a responsabilidade do governo Mario Covas é minha também. Isso é uma continuidade, é governo do PSDB. Se é do PSDB, não tem distinção.”
Na entrevista, Alckmin alegou que jamais ouvira falar no assunto. “Eu nunca tinha ouvido falar nisso. Entendo que, se houver um fato concreto, ele deve ser apurado rigorosamente, rigorosamente, somos os mais interessados nisso”.
Mas nada foi feito.
Robson Marinho tem uma trajetória bizarra. Ele era deputado na época da Constituinte de 1988, e pertencia ao chamado “Grupo de Covas” – os deputados mais intimamente ligados a Covas.
Antes, fora prefeito de São José dos Campos. Em 1994 ele coordenou a campanha vitoriosa de Covas para o governo de São Paulo.
Foi feito por Covas chefe da Casa Civil, um cargo de considerável prestígio e poder. Na gestão de Covas a Alstom logo estabeleceria relações com Marinho.
Ele assistiu à Copa de 1998 na França numa caravana da alegria patrocinada pela Alston.
O patrimônio conhecido de Marinho inclui uma ilha em Paraty e um prédio comercial de oito andares em sua São José dos Campos.
Foi Covas quem o nomeou, em 1997, para o Tribunal de Contas do Estado, o TCE. Cabe ao TCE fiscalizar os contratos firmados pelo governo de São Paulo para contratação de obras e serviços.
Os sete membros – seis conselheiros e um presidente — são escolhidos política e partidariamente. Em 2000, depois de três anos como conselheiro, Marinho chegou à presidência do TCE para um mandato de doze meses.
Na posse, prometeu exercer o cargo com “austeridade e absoluta isenção”. Covas chegou a ser questionado por jornalistas sobre a indicação de Marinho, a quem se referia como “velho e jovem conhecido”.
A antiga amizade com quem deveria examinar suas contas não configuraria um conflito de interesses?
“Qual é o problema de ele ser meu amigo?”, respondeu Covas. “A ilaçao que se quer fazer é que ele é meu amigo e vai me favorecer, não é isso?”
Covas disse que tinha “sete amigos” no tribunal, em alusão aos sete integrantes do TCE. “Quem ocupa cargo no meu governo é gente de caráter”, afirmou.
Na posse, Marinho disse que atuaria com “austeridade que objetiva resguardar a supremacia dos princípios éticos e morais”.
Uma reportagem da Folha notou que o Brasil “está sozinho” na impunidade num grupo de 11 países nos quais a Alstom trabalhou à base de subornos.
“Há um certo padrão no tipo de punição imposta aos suspeitos de receber comissões e à Alstom. Eles são presos e a empresa é condenada a pagar uma multa”, escreveu a Folha.
Mas uma investigação iniciada em 2008 no Brasil “não produziu efeito algum”, afirmou a Folha.
A base aliada do governo Lula manifestou a intenção de criar uma CPI para apurar o escândalo, mas o projeto não foi adiante.
Serra, então governador de São Paulo, disse a respeito da CPI: “Isso é eleitoralismo, é o kit PT”.
Punição, no caso Alstom, é algo que até aqui ficou limitado ao exterior. A conta de Robson Marinho na Suíça, por exemplo, foi bloqueada depois que foram identificados movimentos para transferir dinheiro dela para os Estados Unidos.
Marinho afirma não saber da conta. E continua no TCE, na tarefa de fiscalizar contas do governo tucano, tarefa na qual recebe 20 000 reais por mês.
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