Ex-presidente do Sindicato dos Advogados de São
Paulo, Uzzo, no texto, descreve o cenário histórico da presença e influência
das forças conservadoras na política brasileira.
O e-mail de Uzzo está sendo velozmente disseminado
pela internet, ganhando status de peça política contra a discriminação
ideológica às forças de esquerda.
Abaixo, o conteúdo completo:
Caros
Um amigo meu de infância passou a me mandar um volume enorme de e-mails
com piadas, comentarios e afirmações sempre depreciativas em relação ao
Lula, Dilma, PT, etc. A situação foi em um crescendo tal, que atingiu as ráias
da provocação e do insulto, até que, outro dia, resolvi responder. E mandei
este pequeno texto, que é, em verdade, o que penso de pessoas como ele que,
a pretexto de criticar, escondem hipocritamente suas indéias e
concepções.
Abcs.
Valter Uzzo
Sent: Tuesday, February 05, 2013 3:42 PM
Caro Lara:
Tenho, quase que diariamente, recebido os seus e-mails, que trazem
piadas, “fotos interessantes”, e propaganda daquilo que, politicamente, você
acredita. Quero crer que estou me dirigido à pessoa certa, ou seja, ao Lara que
conheci em Pompéia, na infância e adolescência. Se assim é, tenho algumas
gratas recordações, de nossa convivência que, ao tempo, pela idade e sem as
agruras que viríamos a experimentar durante a vida, era muito boa. Recordo-me
mesmo que uma das suas habilidades, invejada por todos nós da mesma classe
ginasial, era a incrível capacidade que tinha de “colar”, já que você se
abastecia de um grande estoque das “sanfoninhas” (era o tipo de “cola” da
época), que escondia perfeitamente em sua mão direita e que lhe permitia -
grande perfeição! - colar sem interromper a escrita e, - perfeição maior! -, até mesmo diante do olhar atento do professor. Ao
que me recordo, nunca, nenhum dos professores, na fiscalização que faziam,
conseguiu algum êxito diante de você. Nesse partícular, você era
imbatível.
Mas, deixando-se de lado tais reminiscências, eu estou me dirigindo à
você para tratar de assunto que, diante de sua volumosa correspondência
eletrônica, parece lhe interessar: trata-se de questões que envolvem a visão
que temos da forma como vem sendo dirigido este país, melhor dizendo, a
questão política. Para se ter uma conversa franca, devo dizer que temos uma
visão de mundo muito diferente. Acho mesmo, oposta. Em minha profissão (sou
advogado) acabei aprendendo a conviver na divergência, já que, diariamente,
senta do lado de lá da mesa de audiência, ou dos autos do processo, um
colega de mesmo grau de escolaridade que defende justamente o contrário.
Adversário. Mas, terminada a audiência, retomamos o relacionamento, ou seja, é
um aprendizado constante e permanente, a nos ensinar que devemos respeitar os
que pensam de forma diversa. Transposta tal relação para a política, também
aprendi a respeitar aqueles que tem uma visão de mundo diferente da
minha, embora com eles não concorde. Entre tais “adversários” de
pensamento existem dois tipos: os que assim agem por convicção, e os que agem
por interesse. Creio que você se enquadra entre os primeiros, ou seja,
você tem ideias, a meu ver, que eu classifico como “conservadoras”, mas
que são catalogadas no jargão político comum como “reacionárias”,
ou por alguns “direitistas”, ou, se formos levar ao extremo a sociologia
política, “fascistas”. Para mim, no entanto, você é um
“conservador”, por convicção. E é aí que eu quero conversar com você.
Existe no Brasil uma forte corrente de pensamento conservador.
Sempre existiu, aliás, durante o império e durante a república, todos os
presidentes e Governos , até 2003, sempre tiveram um perfil conservador, uns
mais outros menos. Todos. Getúlio Vargas (1º Governo, ditadura) liderou uma
“revolução” -que não era revolução no sentido sociológico do termo- contra
práticas condenáveis da República Velha, só isso. Pertencia a
elite agrária, era fazendeiro e fez um Governo ambíguo, criando uma legislação
trabalhista (que estava sendo criada, ao tempo, por quase todos os países de
mesmo grau de desenvolvimento que o Brasil), e criou dois partidos políticos –
o PTB, para lhe servir – e o PSD, conservadoríssimo, para ajudá-lo a governar.
No mais, encarcerou a oposição e restringiu as liberdades públicas.. Em 45 foi
substituído pelo Dutra (outro conservador), que dissipou todas as reservas
cambiais que havíamos acumulado com a substituição das importações,
durante a guerra. Getúlio volta em 1950 e aí, após um início de governo
meio indefinido, começa a aproximar-se de ideias progressistas, mas não
conseguiu implementá-las, já que, ameaçado de deposição, suicidou-se. Juscelino
foi um inovador em realizações, mas seu governo, embora aparentemente liberal
nos costumes, sempre foi um produto das classes dominantes e um fiel
seguidor da política americana. Jânio se foi muito rápido , e Jango também nada
tinha de progressista: era filho de uma família de riquíssimos
fazendeiros, era despreparado para a função e sua queda dá bem a medida
de seus compromissos de classe: preferiu viver rico no exílio, do que
participar ou liderar uma revolução popular com a qual não se identificava.
Seguiram-se os governos militares, Sarney, Collor, Itamar e Fernando
Henrique. Se examinarmos todas as medidas tomadas por tais governos (algumas
muito boas, até) veremos que nenhuma delas teve a preocupação ou
conseguiu alterar o sistema de distribuição de renda no país, um dos mais
injustos do mundo. A dívida externa sempre em patamares impagáveis, o salário
mínimo medeando entre U$ 80 a U$ 120 dólares, lenta queda da mortalidade
infantil, poucos avanços na afalbetização, grande transferência de rendas para
o exterior, sistema de saúde pública catastrófico, destruição da escola
pública, gigantesca falta de moradias e favelização, polícia corrupta,
Justiça que não funciona, previdência privada mais cara do mundo, seguros mais
caros do mundo, alta tributação e assim foi. Só discursos, só demagogia,
e muita roubalheira.
Aí vieram a eleição em 2003, reeleição do Lula e eleição da Dilma.
Muitos erros, houve e há corrupção, muitas coisas não deram certo, os quadros
do PT, em grande parte, eram despreparados para administração, enfim, as coisas
não saíram como o PT pregava. No entanto, o salário mínimo triplicou (em
dólares), a renda familiar cresceu, a dívida externa foi paga, o consumo
aumentou muito, o emprego cresceu (e o desemprego despencou) e o Brasil
conseguiu crescer, ao meio de uma grande crise internacional. Caro Lara,
esses são fatos . Fato é fato, não é discurso, nem proselitismo político, nem
palavrório. FATOS. O País está em regime de pleno emprego (é a 1ª. vez em nossa
história que isso acontece), e no ano de 2011, em um universo de 200 países,
fomos o 4º. País do mundo em receber investimentos externos, só atrás dos
Estados Unidos, China e Hong Kong (notícia do Times, reproduzida no Estadão e
Folha na semana passada, com pouco destaque). A arenga de que o Governo,
em 2003, pegou uma condição internacional favorável é coversa para boi dormir:
muitos outros países não progrediram, muitos entraram em crise, o sistema
financeiro internacional em 2008 quase ruiu, enfim, o Brasil navegou
muito bem por sua conta e seus méritos. Pensar de modo diverso é revolver
a mentalidade colonialista.
Mas, estou eu a pretender que você se torne um apoiador do Lula e da
Dilma? É claro que não, até porque na nossa idade ninguém muda mais. É que eu
acho que essa sua “cruzada” contra, poderia ser muito mais consequente e séria.
Já que na clássica definição “partido político é a opinião pública organizada”,
porque vocês, conservadores, não fundam um partido que expresse tal
ideologia? A grande farsa que existe é que os conservadores, ou os
direitistas, ou os neoliberais, não assumem o próprio rosto. O PSDB (neoliberal)
não se diz neoliberal, diz que vai mudar, que é de centro esquerda, que é
progressista, e outras baboseiras mais. Porque não se diz neoliberal, e
faz um programa neoliberal?. E vocês, conservadores, porque não se assumem, e
fazem um programa com o conteúdo daquiIo que vocês acreditam; contra as cotas,
contra o aborto, contra o casamento gay, pela redução dos direitos
trabalhistas, dos impostos, por uma política externa mais invasiva, etc, etc,
tal qual o Partido Republicano (Conservador) dos Estados Unidos? Se você fizer
as contas, aqui como lá, o eleitorado se divide, o que, aliás, ocorre em todos
países civilizados (França Inglaterra, Austrália, Itália, Espanha,
Alemanha, Austria, etc, etc, etc). Ou seja, no mundo todo, o eleitorado se divide
em conservadores e progressistas. Mas, aqui não, em razão da hipocrisia
política da direita, a luta não é limpa. Estimule a criação de um
verdadeiro partido conservador, que defenda as teses conservadoras e o
modo de governar conservador e aí, sim, teríamos um debate limpo, direto,
sem enganações, sem subterfúgios. A meu ver, essa situação da direita esconder
suas verdadeiras propostas, de vestir um manto progressista quando não o é, é a
pior forma de trapacear uma nação, posto que esconde seus verdadeiros desígnios.
Em suma, já é tempo de sair do armário e vir corajosamente para o debate
de ideias.
O outro ponto que gostaria de conversar com você é sobre a forma
negativa e pejorativa de sua “crítica” política. As piadas, imagens, dizeres,
etc, que se referem aos que não pensam como você, revelam um rancor que tem de
tudo: preconceito, desinformação, insultos, etc. Se você acha que este tipo de
crítica desperta alguma simpatia para as suas ideias, ou fazem mal a figura dos
criticados, então está na hora de você fazer algumas reflexões sobre o que muda
as pessoas. Uma pessoa decente muda de opinião quando você demonstra que ela
está errada. Só não mudará se tiver “interesses” em se manter no erro, ou,
então, se por alguma razão (preconceito, ignorância, intolerância,
irracionalidade, etc) não entender o seu erro e o significado da mudança.
Fora disso, a “propaganda” pejorativa contrária é um tiro na
culatra. E isso é tanto no aspecto individual como coletivo. O Lula cresceu
eleitoramente depois que mudou sua imagem para o “Lula, paz e amor”. Antes, o
eleitorado preferia o FHC, com sua voz e modos blandiciosos. Serra
com sua linguagem belicosa só perdeu votos. Obama derrotou duas vezes os seus
adversários com um discurso suave, sofrendo agressões de todo os lados. O
Berluscomi e Sarkosi, na Itália e França, perderam as eleições, em
razão de suas práticas autoritárias e arrogantes. Enfim, na medida que a
sociedade evolui, essa linguagem truculenta, ofensiva, enganosa, que intui uma
falsa moralidade e prega medidas radicais extremadas (para os outros,
nunca para si) vai caindo em desuso, não engana mais ninguém. Pode ter servido
em outra época, chegou a levar os hitlers e mussolinis ao poder, mas,
hoje em dia, ninguém mais cai neste canto de sereia. As pessoas querem é ser
convencidas, sem imposições.
Bem, fico por aqui. Se você quiser prosseguir mandando-me os e-mails,
gostaria que não mais me enviasse os relativos à política, a não ser quando
nesta terra tiver um partido conservador, ou direitista, ou de natureza
fascista (o Plínio Salgado pelo menos teve coragem e honestidade criando
os “camisas verdes”), para que se possa ter um debate decente e honesto. Daí
sim, quem sabe, talvez até eu me convença de que existe alguma verdade nessas
ideias trapaceadas e escondidas sob o manto de uma falsa moralidade. Ideias tão
escondidas, tal como você fazia com as colas e era invejado por
toda classe.
Abraços e saudades.
Valter Uzzo
PS: Se você não é a pessoa que eu penso, peço desculpas.
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