terça-feira, 29 de outubro de 2013

O debate “Organizações Globo x Resto do Mundo”, onde o resto do mundo saí ganhando, ainda bem.



BLOG O MURAL: Tenho um método para assistir vídeos, especialmente os longos, para não perder fio da meada – quando algo me chama a atenção, não me concentro nela, preferindo anotar a altura em que ela se encontra e, depois de terminar a sessão, volto e vejo de novo o trecho, procurando o motivo de ele ter me chamado a atenção e reflito sobre ele. Foi assim que agi em relação a cinco pontos daquele já famoso debate Globo x Resto do Mundo e que se começou discutindo os rumos do jornalismo em tempos de emergência das mídias sociais e acabou se discutindo o que leva a mudanças em qualquer sociedade, ou seja, política. O vídeo esta no final do post.

Assim, vamos lá:

1. O “boi de piranha” – O primeiro ponto, na verdade, ficou meio espalhado depois do jogo realmente começar, no minuto 25 do vídeo. Foi por ali que Pedro Dória, o representante do Globo, fez aquela distinção entre jornalismo tradicional (que virou profissional, mas tanto faz) e o tal jornalismo engajado, e o Rafucko respondeu brandindo a “capa de bandido” do dia 17 de outubro.

A partir daí, o debate virou praticamente um “pega-para-capar” das Organizações Globo, com ataques indistintos ao Globo e à TV Globo. Muito justo, já que foram as OG é que se colocaram nessa posição de tomar pedrada por sua histórica demofobia, mas não o suficiente. O problema, a meu ver, é que outros deveriam ter tomado cacete e nem foram lembrados.

Dentre esses injustamente esquecidos pela ira dos debatedores engajados destacam-se os jornais de São Paulo e, em termos de mídia impressa, eles são muito mais perigosos que O Globo e mesmo que a Veja, a qual hoje ninguém com QI maior do que o de uma ameba retardada leva a sério. O Estado e a Folha são mais perigosos do que O Globo, a meu ver, porque, mesmo sendo tão reacionários quanto ele, disfarçam a demofobia bem melhor por serem editados com muito mais competência.

Exemplo é a própria capa de 17 de outubro. É inimaginável que o Estadão colocasse uma capa tão grosseira quanto aquela e a Folha…Bem, essa nem cogitaria, já que parte importante do seu marketing, desde 1984, é se dizer plural. Os paulistas são mais sutis em seus ataques – usam punhais em vez de espadas. Assim, preferem manipular as informações escamoteando-as e não distorcendo-as claramente. Três exemplos tirados dos últimos 14 dias mostram essa maneira sub-reptícia – dois do Estado de São Paulo (aqui e  aqui) e outro da Folha (aqui).

Aliás, o último exemplo mostra porque considero o jornal dos Frias o mais perigoso dentre todos os veículos impressos no plano de ataque às aspirações de aperfeiçoamento da democracia no país. É que a Folha pratica o jornalismo “moonwalker” – parece que está indo para frente, mas, na verdade, vai para trás. A existência de um ombudsman (no caso atual, uma ombudswoman) apenas chancela a ilusão, como se pode ver no próprio texto publicado no jornal – traduzindo a resposta da redação, esta diz que estava certa, avisa que vai continuar manipulando informação como no caso denunciado e que se a ombudswoman não gostar, coma menos.

2. Dubiedade ninja – Já tinha acontecido naquele debate no Roda Viva (aqui), mas deixei passar porque, no campo adversário, sob clima hostil, a gente faz o que pode e nem sempre se sai muito bem. No debate do youpix, porém, o campo e a torcida eram a favor e ainda assim o representante ninja mostrou uma dubiedade preocupante, no caso sob a questão da violência x democracia.

Dubiedade essa que nem se mostrou num momento muito complicado – ocorreu quando uma menina do público fez uma pergunta simples, direta e óbvia: por que o MJ concordava que jornalistas das OG tomassem porrada dos manifestantes , mas condenava que a PM porrasse os manifestantes? O ninja, depois daquele papo que o MJ é uma plataforma aberta e coisa e tal, disse que era contra essa violência, pero no mucho, pois os manifestantes teria legitimidade de baixar o cacete em quem usasse o crachá da Globo.

A dubiedade ficou exposta claramente pelos comportamentos de dois dos debatedores. Esse foi o único momento, a partir dos 25 minutos, que o Pedro Dória saiu da defensiva ao pontar a contradição e mandar de novo o argumento de que os manifestantes estravam tentando “calar uma voz” de maneira antidemocrática. Já o Rafucko tratou de saltar de banda e afirmar, com todas as letras, que era contra qualquer tipo de violência e mandou até uma letra de que defendia um “estado de paz”. Deixou assim o pobre do ninja segurando sozinho na broxa da violência contra a liberdade de expressão. Foi uma manobra esperta e não dá para condená-la – em política, como diria o Droopy, aquele cachorrinho de desenho animado, vale a “leeei do Oeste!”.

3. Democracia ou não? – Rafucko saiu-se bem no item 2, mas também deu mole quando disse que o Brasil não vive um democracia. Seu argumento até é muito bom – se quem mora em favela não é considerado cidadão pelas instâncias do Estado, não há democracia plena – e o exemplo, do Caso Amarildo é ótimo, mas a conclusão…

Só para ficar no caso citado no debate, é só comparar a dimensão que tomou o martírio de Amarildo com o Caso Marli. Em 1979, Marli Pereira Soares, contando apenas com sua coragem e uma ajuda apenas razoável do Jornal do Brasil (a cobertura dos outros não conta de tão ruim), denunciou PMs que mataram seu irmão e, literalmente, enfileirou uma batalhão inteiro para fazer o reconhecimento dos assassinos – e o fez. Nada sequer comparável à mobilização social que levou ao indiciamento de 25 PMs pelo assassinato de Amarildo.

Houve uma salto de qualidade no desenvolvimento político do Brasil e negar , comparando a situação atual à de uma ditadura de verdade… Bem, é uma tremenda bobagem, para dizer o mínimo. Que foi também aproveitada pelo Pedro Dória, mas não tão bem quanto pelo Rodrigo de Almeida, do IG.

Ah! Quem quiser saber como foi o Caso Marli pode ler o depoimento dela no livro “Marli Mulher: tenho pavor de barata, de polícia não” – está bem baratinho, por exemplo, aqui.

4. Globo sem passaralho – A essa passagem voltei só pra rir. O ninja disse que os veículos da mídia tradicional vêm realizando passaralhos (no jargão, demissões em massa de jornalistas) por estarem perdendo assinantes – e, consequentemente, dinheiro – devido à cobertura distorcida das pautas populares (isso quando cobre, claro), e o Pedro Dória interrompeu afirmando que no Globo passaralho não ocorrera. É verdade, mas ele não disse o porquê – a razão é que o pessoal está pedindo demissão antes de ser mandado embora. A prática já vinha acontecendo há algum tempo, mas atingiu um novo patamar após o 17 de outubro – há casos de gente mandando email para lista de amigos a fim de pedir indicação para qualquer emprego porque o mal-estar de trabalhar no jornal se tornou insustentável.

5. O abraço – Depois que a moça de vestido framboesa (aquela cor não é vermelho, ok?) deu por encerrado o debate e enquanto a plateia se retirava, o ninja caia fora imediatamente e Rodrigo de Almeida, Alexandre Inagaki e David Butter, o mediador, batiam um papo, Rafucko e Dória trocaram um abraço fraternal ao fundo. Bacana. Como diria Charles Brown, essa atitude deve ter significado algo, só não sei o quê.

Por fim, um comentário pós-divulgação do vídeo. Muita gente elogiou o Pedro Dória pela coragem de ter ido colocar a cara a tapa no debate. Concordo, foi corajoso, só que… Ah! Esse ceticismo ainda acaba comigo… Se ele foi convidado diretamente, na versão CPF, não teria como deixar de ir sem expor o jornal – e isso muito provavelmente teria sido discutido com a chefia de redação em férias, por telefonema internacional – mas nem creio que o convite tenha sido realizado assim. O mais provável é que tenha sido enviado ao CNPJ, ao Globo, e este escolhido o Dória para representá-lo, por três motivos: é editor-executivo; dentre estes, um dos que interage bem com o seu semelhante; e o único que pode ser apontado como especialista em mídias sociais, tendo até uma coluna semanal sobre o mundo digital. A missão, pela lógica, teria que ser confiada a ele – e, nas Organizações Globo, vale a máxima bopiana: “missão dada é missão cumprida”.


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