BLOG DO U: O complexo de vira-lata segue fortíssimo em nosso país. Se bem que, agora, parece mais restrito a setores da classe média...
Falo das estranhas reações a esse acontecimento maravilhoso: a vitória do Rio como sede das Olimpíadas de 2016.
Estava eu fora do alcance da internet - gravando uma reportagem nas proximidades de Iguape, no litoral sul de São Paulo - quando o Rio foi anunciado vencedor. Comemorei, em mensagens enviadas por celular à minha mulher - que é carioca.
Quando cheguei a São Paulo, na noite desta sexta, também comemorei com meu filho Vicente, outro nascido no Rio de Janeiro.
Em qualquer lugar do planeta seria mesmo motivo para comemorar. Mas, no Brasil, aparecem nessas horas os corvos agourentos: e a a corrupção? e as favelas? e a violência?
Mas que diabos! Parece-me tão óbvio que Olimpíadas não são (nem nunca serão) o remédio para nossos problemas seculares, parece-me isso tão óbvio (repito!) que sinto até vergonha de precisar argumentar diante de certas coisas que comecei a ouvir e a ler, assim que botei os pés de novo em São Paulo, nesta histórica sexta-feira.
Aos poucos, fui-me lembrando das diferenças entre Rio e São Paulo. Paulistano que sou, posso dizer sem medo de errar: parte das pessoas que vivem aqui na minha terra não gosta muito do Brasil. A verdade é essa.
Era esse o tom dos comentários que ouvi no rádio do carro, a caminho de casa. O locutor ia lendo os e-mails dos ouvintes, que criticavam a escolha do Rio: eram comentários mal-humorados, ranhetas, complexados.
No futebol, o brasileiro superou esse complexo de vira-lata. Nelson Rodrigues foi quem cunhou a expressão. Foi ele também quem mostrou como Pelé, com sua pose de rei, indicava a seus colegas em campo: somos fortes, somos bons, falta só acreditar em nós mesmos.
Lá pelas décadas de 50/60, com Pelé, superamos o complexo. Mas só no futebol. A síndrome do vira-lata infeliz continuou a nos abater em outras áreas..
Os mais pobres, em anos recentes, parecem ter vencido o complexo. Até porque não têm muita escolha. São brasileiros até o último fio de cabelo. Para o bem e para o mal. Melhor brigar e trabalhar pra fazer dese país uma terra um pouco melhor.
A vitória e a reeleição de Lula são a prova de que parte dos brasileiros, especialmente os de origem mais humilde, superou o complexo. É uma parcela de brasileiros que foi capaz de eleger um homem monoglota, sem estudo, e além de tudo sem um dedo (ah, como essa marca do trabalho braçal incomoda nossas elites) para liderar o país.
Em contrapartida, a escolha - por duas vezes - de um presidente com esse perfil parece ter acirrado ainda mais o complexo de vira-lata, entre certos setores de nossa classe média. É uma parte dos brasileiros (e como são numerosos em São Paulo) que não gostam de ser brasileiros. Gostam de ser netos de italianos, bisnetos de alemães, trinetos de poloneses, tataranetos de espanhóis.
Eles se envergonham do Lula que discursa em "português" na cerimônia do comitê olímpico (ouvi um sujeito falando disso hoje na rua). Queriam que discursasse em javanês?
Eles se envergonham do Lula que chora. Preferiam, talvez, o tom afetado daquele outro presidente, que adorava fazer piadas sem graça, e preferia discursar em francês ou inglês (tremendo complexo de vira-lata) para agradar os gringos...
Com Lula, o Brasil deixou de se ver como colônia.
Os problemas do Brasil - com ou sem Olimpíadas - são enormes. Cabe a nós resolvê-los. Podemos tentar fazer as duas coisas ao mesmo tempo: cuidar de nossos problemas, e organizar as Olimpíadas. Isso parece uma obviedade sem tamanho!
Ou alguém acha - por exemplo - que um sujeito, só porque ainda está pagando as prestações da casa, não pode fazer uma bela festa de fim-de-ano para os vizinhos e os amigos?
A escolha do Rio é reconhecimento da grandeza do Brasil. Não deve nos fazer ufanistas. Mas a verdade é que merecemos comemorar. Sem dar bola para os corvos agourentos. Eles que curem seus complexos viajando para Miami nas férias. E deixem o Brasil trabalhar para fazer uma bela Olimpíada em 2016.
Parabéns ao Rio. Viva o Brasil.
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