quinta-feira, 12 de junho de 2014

Do mesmo lado do guichê

4ae71641-caf6-4486-a4c4-306e6faab2fb.jpeg
O governador Geraldo Alckmin "inaugurando" o volume morto do reservatório Cantareira, em maio.
BLOG O MURAL: Via CARTA CAPITAL. Não é só no Programa de Redução de Perdas que a Sabesp desperdiçou milhões de reais em contratos suspeitos, conforme CartaCapital tem relatado nos últimos meses, em detrimento dos interesses dos contribuintes paulistas. Outros acordos revelam a promiscuidade entre o público e o privado. Um deles tem relação com a Parceria Público-Privada para criação do Sistema Produtor São Lourenço. A PPP prevê o investimento de 2,2 bilhões de reais por um grupo privado, em troca de pouco mais de 6 bilhões de repasses da Sabesp ao longo de 25 anos. Prevista para ter início em 2011, a execução do projeto só começou em abril passado, com três anos de atraso. Vencedor da licitação, o consórcio SPSL, formado pelas empreiteiras Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez, tem a obrigação de construir uma represa no Rio Piraí, no município de Ibiúna, para enviar 4,7 mil litros de água por segundo para cidades da Grande São Paulo pela tubulação de 83 quilômetros de extensão. Se e quando pronta, a construção poderia reduzir os problemas de abastecimento causados pela estiagem no Cantareira. Na cerimônia de início do empreendimento, Dilma Pena, presidente da Sabesp, não poupou palavras de louvor à ação da estatal por ela comandada e afirmou que a obra é “fundamental para garantir a segurança do abastecimento da Região Metropolitana de São Paulo”

O que nos interessa nesta reportagem são, porém, as informações não reveladas por Dilma Pena sobre os detalhes da relação entre a licitação do Sistema Produtor São Lourenço, o consórcio vencedor e funcionários da Sabesp, entre eles um assessor direto da presidente.
Vamos aos detalhes da licitação. Na disputa pelo contrato, apenas dois consórcios competiram. Um deles, aquele formado pelas empresas Carioca Christiani- Nielsen e Saneamento Ambiental Águas do Brasil, teve sua proposta econômica desclassificada pela comissão de licitação da estatal. Mesmo após a apresentação de recurso, a Sabesp manteve sua decisão e sagrou vencedor o consórcio SPSL, com uma proposta cuja contraprestação por parte da estatal supera em 14 milhões de reais o preço referencial estipulado no item 6 do edital. Ou seja: foi feita uma licitação que serviu para aumentar, em vez de baixar por meio da concorrência, o preço a ser desembolsado pela estatal. Dessa forma, ao longo de 25 anos a Sabesp pagará aproximadamente 6,04 bilhões ao grupo vencedor. Em licitações anteriores, a estatal havia anulado a disputa após o preço oferecido estar acima do estipulado no orçamento inicial. Desta vez, a Parceria Público-Privada acabou homologada.
Os personagens dessa licitação talvez lancem alguma luz sobre os motivos da mudança de diretriz da estatal. Entre os assessores de Dilma Pena está Rodolfo da Costa e Silva, ex-deputado estadual pelo PSDB. De família tradicional do setor sanitarista, Costa e Silva tem como primo outro assessor da Sabesp, Antonio Cesar da Costa e Silva, lotado na Diretoria Metropolitana. Na estatal desde a década de 1990, a dupla leva uma vida bem tranquila. Apesar de ser assessor da presidência da Sabesp, cuja sede fica na capital paulista, Rodolfo, segundo um funcionário seu entrevistado por CartaCapital, mora num vilarejo próximo à cidade de Visconde de Mauá, no Rio de Janeiro. Ali perto, na divisa com Minas Gerais, mantém a fazenda Águas Claras e um plantel de cavalos campolina. Seu principal reprodutor, o garanhão Poeta, é da linhagem Passatempo, uma das mais disputadas e valorizadas pelos amantes da raça. Segundo o funcionário responsável pela fazenda, o assessor de Dilma Pena mora há alguns anos no sítio próximo ao bairro Maringá, a poucos quilômetros dali e cerca de 330 quilômetros da sede da estatal, onde deveria bater ponto diariamente.
Já o primo de Rodolfo, Antonio Cesar, é quem mantém sociedade com funcionários de empresas privadas contratadas pela Sabesp e que expõem a promiscuidade na relação entre o público e o privado dentro da estatal. César é sócio da HRS3 Serviços e Participações. Atuante no setor de exploração madeireira, a empresa possui 138 alqueires em plantações de eucalipto no município de Itapirapuã Paulista, distante 381 quilômetros da capital. A propriedade, por uma dessas coincidências da vida, estende-se ao longo de uma vicinal da cidade e faz divisa com a estação de tratamento de esgoto do município, construída e administrada pela Sabesp.
Além das terras próprias, a empresa arrenda também outra fazenda vizinha com mais de 50 mil pés de eucalipto plantados. Segundo o encarregado das terras, Cesar quase não aparece por lá, Rodolfo surgiu algumas vezes, apesar de não ser sócio da empresa. Ainda segundo o funcionário, que cuida da plantação com a garbosa colaboração dos cavalos campolina provenientes do criatório de Rodolfo no interior do Rio de Janeiro, a plantação é administrada por Pedro Hallack, este sim sócio de Cesar.
Mineiro de Juiz de Fora, o sócio do primo do assessor de Dilma Pena foi funcionário da Sabesp no passado e hoje é funcionário da Camargo Corrêa, presidida por Vitor Sarquis Hallack. No caso da PPP do São Lourenço, Pedro teve participação importante ao longo da licitação. Presidiu a sessão na qual as empresas integrantes injetaram 170 milhões no consórcio SPSL para que ele pudesse atingir o capital exigido pela Sabesp para poder executar a obra contratada. A ata da reunião foi publicada na edição do dia 7 de maio do Diário Oficial. Além disso, Pedro é integrante do quadro societário do Consórcio SPSL, conforme documento registrado na Junta Comercial. Mas as relações entre o diretor da empreiteira e a Sabesp não param por aí. Além de ser diretor de uma empresa que mantém contratos com a Sabesp, e ser sócio de um assessor da estatal, Hallack ainda possui outros parentes a desempenhar funções estratégicas na companhia.
Enquanto Pedro atuava pela empreiteira na disputa pela PPP, seu irmão Gustavo Hallack exercia, e ainda exerce, a função de advogado do departamento de licitação da Sabesp, setor responsável pelo acompanhamento e elaboração dos certames, com acesso a todas as informações referentes às concorrências. Já a sua cunhada, Adriana Hallack, é gerente de divisão de consumo leste da estatal. Antes de se envolver na licitação da PPP do São Lourenço, em 2011, já sócio de Cesar na HRS3, Pedro foi preso pelo Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado do Ministério Público de Campinas na Operação Sanasa. O escândalo de fraudes em licitações de saneamento municipal resultou na queda do então prefeito de Campinas, Hélio de Oliveira Santos, e de toda a cúpula da administração da cidade. Segundo o delator do esquema, Pedro teria distribuído propina a agentes públicos em troca de aditivos a um contrato da Camargo Corrêa com a empresa de saneamento da cidade.
O Consórcio SPSL, em resposta aos questionamento de CartaCapital, afirmou que “a licitação transcorreu de forma regular, transparente, e tem convicção da lisura de suas operações”. Segundo o consórcio, Pedro Hallack “apenas atuou como diretor em atos societários de constituição da sociedade que posteriormente firmou o contrato de concessão”.
Questionada sobre a relação de seus funcionários com integrante de empresa privada com a qual mantém contratos, a Sabesp informou: “Trata-se de especulação infundada e carece de argumentação jurídica qualquer suspeita no sentido de que o processo deveria ser refeito”. Segundo a estatal, Rodolfo da Costa e Silva, seu primo Antonio Cesar e Gustavo Hallack não tiveram qualquer participação no processo licitatório.  Sobre o valor da proposta vencedora estar acima do preço referencial, a estatal sustenta que “a proposta vencedora foi 3% inferior ao preço de referência, representando um desconto de mais de 186 milhões de reais no período do contrato”. Entretanto, o extrato do contrato, publicado em 22 de agosto de 2013, mostra um valor superior em 14 milhões ao estipulado no item 6 do edital da licitação.
Da ótica da Sabesp, talvez todas essas relações entre a família Hallack, os Costa e Silva e a estatal, assim como a crise de abastecimento pela qual os paulistas passam desde o início do ano, sejam apenas obra da arquitetura divina. Do mais, é aguardar para ver quando, como e a que custo final o Sistema Produtor São Lourenço será entregue.

Sem comentários: