Leonardo Boff
“Os principais comentaristas econômicos comentam a crise que irrompeu no centro do sistema e apontam o desmoronamento de suas teses mestras, mas continuam com a crença ilusória de que o mesmo modelo que nos trouxe a desgraça, ainda pode nos tirar dela. Ainda utilizam a interpretação clássica dos ciclos do capitalismo depois da abundância, sem perceber a mudança substancial do estado da Terra ocorrida nos últimos tempos”.
Leio os principais comentaristas econômicos dos grandes jornais do Rio e de São Paulo. Aprendo muito com eles, porque venho de outra área do saber. Mas, na minha opinião, eles continuam aplicando a cartilha neoliberal, o que os impede de ter um pensamento mais crítico. Ainda utilizam a interpretação clássica dos ciclos do capitalismo depois da abundância, sem perceber a mudança substancial do estado da Terra ocorrida nos últimos tempos. Por isso, noto neles uma certa cegueira em um nível profundo de seu paradigma. Comentam a crise que irrompeu no centro do sistema e apontam o desmoronamento de suas teses mestras, mas continuam com a crença ilusória de que o mesmo modelo que nos trouxe a desgraça, ainda pode nos tirar dela.
Esta visão míope impede que levem em consideração os limites da Terra, os quais impõem limites ao projeto do capital. Esses limites foram ultrapassados em 30%. A Terra dá claros sinais de que não agüenta mais. Ou seja, a sustentabilidade entrou em um processo de crise planetária. Cresce cada vez mais a convicção de que não basta com fazer acertos. Estamos obrigados a mudar de rumo se queremos evitar o pior, que seria ir em direção a um colapso sistêmico certo.
O sistema em crise, digamos seu nome, é, quanto ao seu modo de produção, o capitalismo. E sua expressão política é o neoliberalismo, que responde fundamentalmente às seguintes questões: como ganhar mais com o mínimo de investimento, no menor tempo possível e aumentando ainda mais seu poder? O sistema dá como óbvia a submissão total da natureza e a desconsideração das necessidades das gerações futuras
Esse pretendido desenvolvimento tem se mostrado insustentável, porque em todos os lugares em que se instalou criou desigualdades sociais graves, devastou a natureza e consumiu seus recursos muito acima do nível de reposição. Na verdade, trata-se de um crescimento apenas material, que se mede em termos de benefícios econômicos, não de um desenvolvimento integral.
O grave disto é que a lógica deste sistema se opõe diretamente à lógica da vida. A primeira é linear, regida pela competição, tende à uniformização tecnológica, ao monocultivo e à acumulação privada. A outra, a da vida, é complexa, incentiva a diversidade, as interdependências, as complementaridades e reforça a cooperação na procura pelo bem de todos. Este modelo também produz, mas para servir à vida e não para servir exclusivamente ao lucro, e tem como objetivo o equilíbrio com a natureza, a harmonia com a comunidade da vida e a inclusão de todos os seres humanos. Opta por viver melhor com menos.
Paul Krugman, editorialista do New York Times, denunciou valentemente (Jornal do Brasil, 20/12/08) que não há diferença básica entre os procedimentos de B. Madoff, que fraudou 50 bilhões de dólares a muitas pessoas e instituições, e os especuladores de Wall Street, que enganaram milhares de investidores e pulverizaram, também, grandes fortunas. Ele conclui: “o que estamos vendo agora são as conseqüências de um mundo que enlouqueceu”. Esta loucura é conjuntural ou sistêmica? Penso que é sistêmica, porque pertence à própria dinâmica do capitalismo: para acumular, mantém grande parte da humanidade em situação de escravidão “pro tempore” e põe em perigo a base que o sustenta: a natureza com seus recursos e serviços.
Cabe a pergunta: será que não existe aí uma pulsão suicida, inerente ao capitalismo como projeto civilizatório, uma pulsão que tenta explorar de maneira ilimitada um planeta que sabemos que é limitado? É como se toda a humanidade sentisse que é empurrada para dentro de uma corrente violentíssima, e não conseguisse mais sair dela. Não há dúvida de que o destino seria a morte. Será que é a marca inscrita em nosso atual DNA civilizatório, rascunhado há mais de dois milhões de anos, quando surgiu o homo habilis, aquela espécie de humanos que, pela primeira vez, começou a usar instrumentos em seu afã por dominar a natureza, que potencializou-se com a revolução agrária no neolítico e culminou no atual estágio de ânsia de dominação completa da natureza e da vida? Se continuarmos nesse caminho, onde iremos chegar?
Como somos seres inteligentes e com um imenso arsenal de meios de saber e de fazer, não é impossível que consigamos reorientar nosso curso civilizatório, dando maior centralidade à vida que ao lucro, ao bem comum em vez de ao benefício individual. Então, poderíamos salvar-nos in extremis e ainda teríamos pela frente um futuro que almejar.
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